Elizabete contra o comboio
Não podia de modo algum deixar passar a fabulosa noticia que me fez companhia enquanto tomava o meu pequeno almoço esta manhã assistindo à minha compactada dose diária de informação televisionada. Já tenho saudades dos tempos em que acordava e ouvia logo falar de pedofília. Como esses tempos já lá vão, a SIC Noticias, canal em causa e no qual reconheço alguma credibilidade, isenção e bom senso, decidiu fazer um especial com reporteres no local e entrevistas em directo, dando assim uma cobertura noticiosa fora do comum para um acontecimento tão fútil e ridiculo. Parece então que houve alguém na CP, mais um desses fenomenais comglomerados monopolistas made em Portugal e onde só trabalha gente de reconhecido mérito e inteligência, que teve a idéia peregrina de realizar uma corrida. Mas não uma corrida qualquer como é óbvio, trata-se então de uma corrida entre dois pilotos e um comboio. O local de partida, Sintra. O local de chegada, a estação do Rossio. Os dois pilotos, ela a Elizabete Jacinto que vai tripular uma mota, ele o José Megre que fará a viagem de carro ao volante de um Nissan Micra. O comboio em causa será um semi-directo que habitualmente cumpre o trajecto Sintra-Lisboa e será conduzido, os tipos da CP não podiam deixar de sublinhar esta, por uma mulher. Se fosse um homem de certeza que não falavam disso. A máquina das relações públicas no seu pleno. Se o desafio à partida parece desigual, mais complicado fica para os dois pilotos quando se vem a saber que ambos terão de chegar ao Rossio atravessando a rapidissima e desimpedida IC-19, o que, considerando a hora em que se vai processar o evento, 8:00 AM, deixa antever belas cenas de picanços, insultos e pugilato. Sim, porque acrescentar mais dois pilotos profissionais aos milhares de pilotos de Formula 1, Formula 3000, Formula Indy e Stock Cars que já lá passam todos os dias só pode dar molho. Deixo por agora o desfecho da corrida, que por acaso se desenrola no exacto momento em que escrevo estas linhas, para me deter no real significado do desafio lançado pela CP e pelos benefícios que esperam colher da iniciativa. Ora após o que aconteceu em Madrid há cerca de dois meses e meio é mais que previsivel que com o aproximar do Euro o número de passageiros nos comboios caia em flecha. O Portuga não é parvo. Ainda para mais que na passada 6ª Feira estando eu na Estação de Entrecampos aguardando a chegada do comboio que me levaria a casa ouço o reconfortante seguinte aviso pelo sistema sonoro : "Senhores passageiros, acautelem as vossas bagagens. Qualquer volume que seja deixado só será imediatamente recolhido e destruido pelas forças da autoridade". Ou seja, entrámos oficialmente em alerta terrorista. Aproveito também o tema da conversa para expôr um protesto, já que sou utilizador habitual de parte da referida linha. Realmente e como foi frizado na peça da SIC Noticias por diversas vezes, os comboios que rumam ao Rossio são em número elevado, passando muitas vezes com um número bastante reduzido de passageiros. O utente não tem mais do que aguardar alguns minutos para se fazer transportar comodamente até ao seu destino. O mesmo não se passa com os comboios que vêm do Cacém com destino ao Areeiro ou Oriente, com passagem por Entrecampos e que servem uma população cada vez maior, onde eu aliás me incluo. Estes passam de 15 em 15 minutos, vêm sempre cheios e são manifestamente insuficientes para transportar condignamente todos aqueles que pagam para usufruir de um serviço que deveria ter melhor qualidade. Só tenho pena que os competentes jornalistas não tenham tido a idéia, peregrina também talvez, de entrevistar uns quantos passageiros recolhendo assim algumas opiniões que não as do sorridente e confiante representante da CP. Mais uma vez as relações públicas. Só mesmo em Portugal se lançam desafios que à partida já estão ganhos, para podermos colher os louros de sorriso aberto e barriga cheia. Voltando à corrida de hoje, devo confessar que ponderei esperar mais alguns minutos na Estação de Benfica para poder apanhar o comboio em competição que ali fez escala por volta das 8:22. Assim que andássemos 500 metros puxava o manípulo de emergência e lixava-os, pirando-me naturalmente em seguida.
Força Elizabete!!!
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